Num momento em que o mundo se equilibra entre o global e o local, entre a ancestralidade e a inovação, o Fuorisalone reafirmou seu protagonismo como território criativo onde o design è uma linguagem de resistência e reinvenção e, como sempre, o Design Made in Italy respondeu com beleza e profundidade.

CONTEXTO

Apesar das notáveis ausências nos estandes de Rho — com várias marcas icônicas abandonando o pavilhão tradicional do Salone e indo expor no Fuorisalone — Milão reafirmou seu status como epicentro absoluto do design mundial. Mas também é verdade que não vimos tantos produtos novos, e sim muitas reedições e uma avalanche de experiências imersivas.

Para além da estética superficial, este evento revelou transformações profundas nas dinâmicas econômicas, comportamentais e psicológicas que estão reconfigurando nossa relação com o design contemporâneo.

O momento atual – imerso em crises de todos os tipos – transcendeu o simples lançamento de produtos ou a ocupação de espaços visíveis. Aqui, tratou-se fundamentalmente de comunicar um posicionamento, cultivar conexões genuínas e proporcionar experiências que ressoem com a sensibilidade do público — exatamente o que o Fuorisalone tem possibilitado com maior liberdade e expressividade poética.

A própria cidade de Milão vira um palco, permitindo que o design se reconecte com o território, os bairros, as edificações históricas, os pequenos gestos e encontros cotidianos. Porque aqui é o design que retorna à vida, à dimensão humana, ao contexto real. E talvez seja precisamente nesse retorno que resida sua força transformadora.

Neste cenário vimos muita sustentabilidade, inovação tecnológica e experimentação com materiais que não surgem apenas como tendências passageiras, mas como respostas a mudanças estruturais no comportamento de consumo global. Por isso, do ponto de vista econômico, observamos uma recalibração significativa do mercado em todos os segmentos, onde o valor agregado não está mais exclusivamente na raridade e exclusividade, mas na narrativa, autenticidade e flexibilidade que os produtos oferecem.

Acompanhando este evento desde 2008, vejo que estar no Fuorisalone é sobre posicionar-se em um contexto de alta criatividade, onde o design é uma linguagem universal, que vem sendo reformulada por novas gerações de consumidores que priorizam experiências sensoriais integradas sobre a simples aquisição de bens.

Sob a perspectiva antropológica, testemunhei uma transformação nas relações entre indivíduos e objetos e vi que as marcas presentes em Milão demonstraram compreensão aguda de que precisam enfatizar peças atemporais, dignas de investimento e designs modulares que respondam às necessidades evolutivas dos consumidores

“O objeto de design tornou-se um agente de expressão identitária em constante mutação, refletindo valores sociais emergentes.” Fah Maioli

A dimensão psicológica desta transformação manifesta-se na forma como a Geração Z e millennials mais jovens engajam-se com o design – priorizando narrativas, experiências digitais e peças multifuncionais sobre o consumo estático tradicional. Aqui o desejo não é mais possuir, mas experimentar; não é acumular, mas adaptar. Esta mudança cognitiva fundamental exige das marcas novas estratégias de engajamento e formatos inovadores de apresentação que, honestamente, foram todas entregues esta semana!

O GENIUS LOCI COMO CRIADOR DO DESIGN ITALIANO

Para mim, em 2025, o design italiano não revelou tendências: ele apostou em reafirmar sua capacidade de atender algumas perspectivas comerciais produzindo mais sentido, memória e transformação. Porque, no fim, são as ideias — e não as formas — que realmente atravessam o tempo.

A força do Made in Italy como linguagem cultural, espelho de valores e gesto estético que resiste — e transforma — o tempo continua firme e vibrante, mesmo que muitos digam que ela tenha perdido força. 

Bem, eu não creio. O que vejo é uma renovação silenciosa, feita com sabedoria, não com barulho nem paillettes e o design italiano faz isso com maestria porque entendeu, desde sempre, que não se trata apenas de objetos ou móveis, mas de algo muito mais profundo:

…trata-se de como escolhemos habitar o mundo. De como criamos, com o corpo e com o olhar, espaços que refletem nossas emoções, gestos, histórias e ritmos.

Por isso, minha curadoria para a Milano Design Week 2025 foca em 3 marcas que, a meu ver, traduziram o que há de mais essencial no verdadeiro Made in Italy. Um design que fala da terra, das raízes, do tempo e da beleza. Que personaliza o estilo de vida italiano sem clichês mas como uma experiência sensível, cultural e local.

“Esse é o ponto-chave: o Made in Italy é inseparável do Genius Loci — o espírito do lugar e cada peça, cada projeto, cada matéria escolhida por essas marcas carrega consigo a alma do território de onde vem.”

Não se trata de nostalgia, mas de um orgulho quieto: o saber-fazer artesanal que se encontra com a inovação, a estética que nasce da paisagem, o estilo que não se copia porque é enraizado na vida, na cultura, na forma de ver o tempo e o mundo. Genius loci, simples assim.


Cada uma destas 3 marcas expressa, a seu modo, esse ethos profundo. Uma seleção não aleatória: ela representa aquilo que acredito ser o melhor do design italiano, ou seja, a capacidade de personalizar o habitar com alma, criando objetos que não apenas ocupam espaços, mas contam histórias, despertam sentidos, carregam memórias e valores:

  1. Molteni&C com seu novo espaço mostrou sua capacidade de unir memória, arquitetura e linguagem contemporânea — projetando um bem-estar silencioso que toca corpo e espaço.
  2. Cassina releu os ícones como quem escuta um clássico com ouvidos novos — com cor, liberdade e consciência ecológica.
  3. Paola Lenti ousou trazer a infância ao centro da experiência estética, ensinando que o design pode ser lúdico, ético e visionário ao mesmo tempo.
1/8
Cassina
2/8
Cassina
3/8
Cassina
4/8
Molteni
5/8
Propaganda
6/8
Paola Lenti
7/8
Paola Lenti
8/8
Paola Lenti

As cores este ano, quase homogêneas, dominaram a cena em basicamente 5 nuances, criando atmosferas calmas, acolhedoras e refinadas — e destaco o bordeaux profundo e o creme elegante, como vistos no novo espaço da Molteni&C, que uniu memória, arquitetura e linguagem contemporânea em um gesto de bem-estar silencioso. A Cassina reinterpretou seus ícones com esta paleta que transmite liberdade e sofisticação, mostrando que cor e consciência ecológica podem andar juntas. Já Paola Lenti transformou o lúdico em manifesto, usando suas cores tradicionais para lembrar que o design pode — e deve — brincar com o futuro.

“O verdadeiro Made in Italy não é apenas um selo de origem, é uma atitude diante da vida, uma poética do cotidiano. É o jeito de tocar o mundo com beleza, sem esquecer de onde se veio.” Fah Maioli 

UMA REVOLUÇÃO SILENCIOSA MATERIALIZADA

No coração das apresentações mais impactantes do Fuorisalone 2025, encontramos uma revolução silenciosa materializada em superfícies, texturas e composições que desafiam nossa compreensão tradicional dos materiais. 

O design contemporâneo deixa de ser apenas forma ou função: ele se torna matéria viva, consciente e notavelmente simbiótica. Aqui mycelium, folhas de árvore, lava vulcânica, espelhos feitos de cerâmica não são apenas curiosidades experimentais, mas declarações radicais de um novo pacto com o planeta.

Sim, a matéria volta a contar histórias e carrega texturas da terra, da água, do tempo e da tecnologia, nos mostrando que inovação e ancestralidade podem caminhar juntas. Este ano percebi que a sensibilidade tátil e visual desses materiais nos convida a um novo tipo de consumo que é mais respeitoso, muito mais regenerativo e até emocional.

Uma abordagem que não apenas reflete preocupações ambientais, mas também representa um novo paradigma de criação que funde biotecnologia, reaproveitamento e tradição reinventada. Por isso, minhas 3 escolhas são:

  1. O micélio (mycelium) que continua forte nas inovações, apresentando-se em mobiliários estruturais e peças decorativas que revelam a impressionante versatilidade desta rede de filamentos fúngicos. Cultivado em resíduos agrícolas, o material demonstrou resistência comparável a compostos sintéticos, mas com fração mínima do impacto ambiental, evidenciando como processos biológicos podem substituir métodos industriais convencionais.
  2. A seda, material milenar, ressurgiu em formulações biotecnológicas que prescindem da criação tradicional do bicho-da-seda. Produzida por leveduras geneticamente modificadas, esta “seda de biodesign” mantém as qualidades excepcionais da fibra natural – resistência, leveza e toque incomparável – mas elimina questões éticas e reduz drasticamente o consumo de recursos.
  3. Talvez a surpresa mais impressionante tenha sido a reinvenção da lava vulcânica como material para o design contemporâneo. Coletada de erupções recentes e processada em temperaturas controladas, transforma-se em superfícies vitrificadas de beleza primordial, conectando o design à força telúrica do planeta em peças que são, literalmente, fragmentos da história geológica da Terra.

Estes materiais não representam apenas alternativas, mas um redirecionamento fundamental do design – de uma cultura de consumo e substituição para uma cultura de regeneração e simbiose com os ciclos naturais.

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Lava vulcânica (Ranieri Lava Stone)
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Ranieri Lava Stone
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Ranieri Lava Stone
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Alumínio e bordeaux (Nilufar)
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Flexibilidade (Mostra Isola)
6/11
Propaganda
7/11
Formas lúdicas
8/11
Formas lúdicas
9/11
Paleta FuoriSalone
10/11
Tons acesos e formas lúdicas
11/11
Alumínio e vidro (Mostra DropCity)

Por isso, para mim ficou bem claro que o verdadeiro luxo contemporâneo no interior design daqui para frente reside não na ostentação, mas na inteligência regenerativa que estes materiais incorporam.

De notar tambèm que entre os materiais que mais se destacaram este ano, o alumínio, o inox e outros metais estavam presentes sempre, mas mais do que uma tendência estética, essa presença metálica reflete uma lógica de circularidade e durabilidade que responde tanto à escassez de recursos quanto à busca por uma materialidade honesta. 

As microtrends observadas nos conceitos, materiais e processos incluem:

  • Uso de materiais reciclados e recicláveis, como madeira certificada, alumínio e bioplásticos
  • Integração de inteligência artificial no design de móveis
  • Produtos modulares e de fácil desmontagem
  • Destaque para o espaço Alcova e suas combinações inovadoras de materiais, como resina com vidro e papel com bambu
  • Exploração de como o design conecta mundos físicos e digitais, culturas e comunidades
  • Instalações que promovem a interação e a reflexão sobre o papel do design na sociedade

Por fim, ficou claro que em tempos de glocalização, o Fuorisalone se consolida cada vez mais como um ecossistema onde o design não é apenas produto, mas processo: de pertencimento e de reinvenção. Aqui, vemos o Made in Italy se reinventar sem perder sua alma e mora entre o artesanal e o tecnológico, o simbólico e o funcional, o gesto afetivo e a sofisticação estética.

Claro, talvez eu seja suspeita de falar — afinal, sou metade italiana, e moro aqui, respiro esse país com o afeto de quem o escolheu e também de quem o carrega no sangue. Mas é justamente por isso que posso afirmar com clareza: quando o design nasce daqui, ele não é só forma — ele é afeto, território, visão e gesto. Ele é, acima de tudo, uma maneira de existir no mundo com sentido.


Por Fah Maioli, Designer e Trend Analyst que vive em Milão.
@fahmaioli